sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

VERDE QUE TE QUERO VER

              Mais um conto meu.
                                                                                                             "(...)
nem saberei o que me espera,
nem que rosário de amargura,
nem se é inverno ou primavera."
                                                       
Vasco Graça Moura, Valsa das Sombras 

                     Eu o amava desde sempre. Mas foi somente ao voltar de férias à nossa cidade, que Tiago percebeu que eu existia. No último dia, telefonou convidando-me para jantar.
                     Fazia muito frio e eu saí às pressas para comprar um casaco novo. Teria de ser especial, muito especial. Um casaco que eu usaria apenas quando estivesse com ele.
                    - Lã inglesa, sinta o toque... – falou a vendedora, acariciando o casaco mais elegante que eu jamais vira. - Verde-profundo é o nome da cor. Bonita, não? A mesma dos seus olhos. E combina às maravilhas com seu cabelo ruivo! – acrescentou, entusiasmada.
                     Adorei meu casaco sete oitavos, verde-ilusão. Com certeza, Tiago me acharia linda.
                     Minutos antes do encontro, no entanto, ele ligou, desculpando-se. Por não-sei-qual-problema-de-última-hora, cancelava nosso jantar. Meu casaco verde-decepção foi para o armário.

                     Tiago só voltou a me chamar no inverno seguinte, quando as férias chegavam ao fim. Dessa vez eu é que não pude aceitar o convite: com pneumonia, nem pensar em sair da cama. Chorei de tristeza e frustração.
                    Soube que voltou várias vezes à nossa cidade; mas nunca mais me procurou. E  meu casaco verde-desalento continuou guardado.
                    
                   Muitos invernos se passaram. Invernos demais. Amei, desamei, ganhei, perdi, vivi, sobrevivi, sem jamais esquecer Tiago.

                   - Rita, quero muito falar contigo! 
                   Ao reconhecer a voz ao telefone, meu coração quase parou. Era Tiago, dizendo que tivera notícias minhas por um amigo.
                   - Preciso te ver o quanto antes! – o tom  era urgente.
                   Combinamos nos encontrar dentro de duas horas, num café do centro.
                   Levei bastante tempo escolhendo a roupa e me pintei com capricho. De repente, enquanto ajeitava os cabelos, minha mão parou no ar. E se ele...? E se eu...? E se... Tantos ses, tantas perguntas, caindo como gotas de chuva gelada apagaram minha alegria.
                   Era inverno outra vez. Fui buscar, na prateleira mais alta do guarda-roupa, meu jamais usado casaco verde, de cujo tom não tinha mais certeza. Porém, quando abri a caixa e retirei as folhas de papel de seda que o envolviam, descobri que estava todo roído pelas traças.
                   Meu casaco verde-obsessão foi para o lixo.
                   E Tiago me esperou em vão.